quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Governantes têm responsabilidade pela violência nas "manifestações"

A inabilidade, a incompetência e a covardia dos governantes são os combustíveis para a truculência policial, mas também para os atos de vandalismo

Não é novidade para ninguém que a ação truculenta da PM de São Paulo durante uma das primeiras manifestações públicas, no início do mês de junho, foi um dos principais fatores a impulsioná-las.

Obviamente, não se pode atribuir à atuação da polícia a origem ou causa das manifestações. Menos ainda, restringir a crítica à PM paulista. O despreparo técnico, a orientação equivocada e o treinamento inadequado das tropas, bem como a visão distorcida das próprias autoridades são comuns, com pequenas diferenças, em todas as unidades da federação.

Também não se trata de afirmar que, caso a polícia houvesse agido de forma diversa, os protestos não teriam se avolumado e disseminado por todo o país como acabou sucedendo. A causa ou origem da onda de manifestações está, sem dúvida, na percepção pública da corrupção, na imoralidade dos privilégios e regalias autoconcedidos pelos ocupantes de postos públicos e, principalmente, na falta de qualidade na prestação dos serviços públicos essenciais.

Por saberem disso, embora surpreendidos pela dimensão e intensidade das críticas e protestos, é que governantes e parlamentares reagiram de forma tão atabalhoada. De início, subestimaram-na e, por isso, imaginaram ser possível ignorá-las. Em seguida, de forma igualmente equivocada e ainda ignorando suas forças, acreditaram poder debelá-las com a repressão habitual e tão característica do Estado brasileiro. E, por fim, dando-se conta de seus erros de avaliação e da ineficácia de suas ações, aturdidos, iniciaram respostas as mais desconexas, despropositadas e descabidas. Em todos os âmbitos. Da presidenta da república aos prefeitos, passando também pelo Poder Legislativo. Tanto é assim que, "no olho do furacão", suas excelências, os presidentes da Câmara e do Senado, não se pejaram de utilizar aviões da Força Aérea para uso pessoal e de parentes e amigos. Outro fato a confirmar o que afirmamos é que algumas das proposições e ações oferecidas como "respostas" ao que alguns insistem em chamar de "a voz das ruas", na verdade, trataram de questões não apontadas ou apontadas de forma quase insignificante nas manifestações.

Contudo, o mais danoso na atuação das autoridades não está no que fizeram, mas na maneira como o fizeram ou naquilo que deixaram ou continuam deixando de fazer.

A redução das tarifas do transporte público em muitas cidades é um exemplo. Não pela redução em si, é claro. Mas pelas consequências sobre as finanças públicas, dado que os empresários do setor não serão afetados em seus lucros, cabendo ao poder público arcar com o aumento do custo daí advindo. E, também, por terem as autoridades se deixado levar à constrangedora condição de serem forçadas a decidir "com a faca no peito", o que, como já se vê ou se verá em futuro muito próximo, trará graves prejuízos à democracia e ao estado de direito.

Outro exemplo claro foi a avassaladora votação dos deputados federais pelo arquivamento da PEC 37. E, mais uma vez, não pelo rejeição da proposta em si. Embora acreditando que esse não deveria ser o desfecho - sempre defendi a PEC, em nome da justiça e do necessário equilíbrio do processo legal -, na vigência da democracia não há como não admiti-lo. O problema está em sabermos que, não fossem as palavras de ordem contrárias à PEC inegavelmente incentivadas pela mídia, muitos seriam os parlamentares que votariam por sua aprovação e que, diante da oposição gritada nas ruas, lamentavelmente se acovardaram. Prestaram igualmente eles inestimável desserviço à democracia e ao país.

O que vemos hoje é que as manifestações continuam. E que, surpreendentemente, grande e significativa parte delas nada tem a ver com as causas e origens inicialmente identificadas. Há fatores "novos" a estimulá-las. De início não havia a revolta, ao menos não na dimensão e intensidade que agora se vê, contra a mídia. Esta em boa medida provocada pela denúncia, só trazida a público após o auge do "alerta do gigante", de fraude fiscal pela Rede Globo. Também não havia protestos contra a utilização de helicópteros pelo governador do Rio de Janeiro. E nem contra a constituição de cartel ou o pagamento de propinas nas contratações de serviços e obras do metrô de São Paulo. E também ainda não se clamava contra o misterioso desaparecimento do pedreiro Amarildo. Ou seja, para a sustentação do clima de insatisfação e a continuidade dos atos, encontraram-se - e seguirão sendo encontrados, não tenham dúvidas - novos motivos, novas razões.

Pior ainda: mesmo sem considerar seu mérito, um dos motivos para que se siga protestando e reivindicando é justamente uma daquelas "respostas" à onda inicial - o lançamento do Programa "Mais Médicos".

Assim, fica claro que há, por parte dos dirigentes do país, em todos os níveis e âmbitos de atuação, incapacidade para interpretar e compreender os verdadeiros motivos e objetivos das manifestações. Por isso mesmo, têm sido inábeis nas respostas oferecidas à população. E desorientados pela falta de lideranças formais do movimento e de reivindicações concretas, não conseguem identificar o que, com quem e como negociar. O que deixa igualmente claro que falta ao estado inteligência, seja por falta de estrutura organizacional, de equipamentos, de pessoal qualificado, de destinação dos necessários recursos, seja por falta de vontade política ou mesmo da percepção de que fosse preciso fazê-lo.

Entretanto, mesmo diante da constatação de tais lacunas, e por causa delas, não se podem furtar os governantes a cumprirem suas atribuições e exercerem a autoridade que lhes foi delegada pelo voto da população. E é a isso que estamos assistindo, quando deixam os senhores governadores e seus secretários de segurança, mas também a presidenta da república e seu ministro da justiça, de determinarem a suas polícias e seus setores de inteligência que ajam com diligência e celeridade na identificação, responsabilização e penalização dos responsáveis pelos atos de violência e vandalismos que, no interior e aproveitando-se dos atos de protesto, continuam a criminosamente promover danos e prejuízos ao patrimônio público e privado e à segurança pessoal dos cidadãos.

Ao não fazê-lo, ou ao não cobrar a efetividade de suas determinações, tornam-se responsáveis por tais danos e devem ser cobrados por isso.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Black Blocs: quais as alternativas?

Estamos diante de uma violência a ser simplesmente rejeitada? Ou sobre a qual devemos nos debruçar seriamente e (re)pensar?

A notícia está no Estadão de sábado, 3/8/2013: "Black Blocs já se articulam em 23 Estados do País".

A primeira reação - responsável - é de preocupação, receio e rejeição. A possibilidade de que o país inteiro seja tomado por uma onda de manifestações violentas - cujas fontes de estímulo e articulação são ainda ignoradas, mas que muitos acreditam, com razão, ter origem estrangeira e espúria, e cujas consequências são impossíveis de precisar - é assustadora. A prudência recomenda mesmo que cidadãos conscientes e temerosos de prováveis danos à estabilidade política do país evitem as ruas e privem-se da participação nos eventos públicos programados para a data.

Como costumo postar e afirmar (o que reafirmo), os "Black Blocs não me representam". Contudo, faço questão de enfatizar o "me". Não representam "a mim" e, provavelmente, a muita gente com histórias de vida semelhante. E, também, em vista do atual cenário político nacional.

Mas há uma outra perspectiva, sob a qual se pode analisar esse recente fenômeno e à qual não nos podemos furtar, tal qual avestruzes. É preciso reconhecer que há situações em que, embora possa-se discordar, a adoção da prática de atos violentos como forma de atuação política pode ser justificada e legítima. Uma delas é a existência de um regime autoritário - o que hoje inegavelmente não há - e/ou de um Estado repressor - o que, mesmo atualmente, é, no mínimo, questionável. Exemplo concreto e amplamente endossado em nossa história não muito distante foi a opção de vários grupos de esquerda que, como forma de reação aos governos militares das décadas de 1960 e 1970, partiram para a luta armada, praticando assaltos a bancos e sequestros.

Outra é a condição em que vive hoje uma enorme e altamente significativa parcela da população, que convive diuturnamente com a violência praticada pelo Estado, não só aquela que mais choca e causa reações mais imediatas e de maior indignação, que é a violência física praticada justamente pelos agentes de segurança, cuja missão deveria ser a de proteger a população, mas também a de mais profundas consequências, que é a ausência ou a precariedade dos serviços públicos.

É também bastante conhecida a maneira como as manifestações políticas populares, sejam elas de contestação ou reivindicação, são tratadas pelo Poder Público: repressiva, violenta, com o uso de força desproporcional e que vê a rua como campo de guerra e os manifestantes como um inimigo a ser vencido.

Assim, é impossível deixar de reconhecer que temos um caldo de cultura política a favorecer o surgimento e a adoção dessas práticas como a última e talvez a única forma de se fazer ouvir por grande parte daquilo que, às vezes de forma equivocada e até mesmo leviana, costumamos chamar de "a sociedade" brasileira.


Não se trata de fazer apologia da violência e do vandalismo - até porque boa parte do que vem sendo alvo da ação desses grupos tem sido o patrimônio público. Mas, há muito o que se buscar compreender e muito o que se discutir a fim de encontrar alternativas legítimas, válidas e eficazes. Inclusive por que, mesmo com todo o "estrago" até agora causado pelos BB, uma boa parte de nossos políticos insiste em escarnecer do povo, ignorando o sentimento expresso nas manifestações e persistindo em suas velhas práticas.