sexta-feira, 12 de julho de 2013

O PL 4330/2004 e os absurdos da terceirização

É simplesmente inacreditável que um dos pontos ainda considerados polêmicos em relação à terceirização de serviços e/ou de mão de obra seja o de sua abrangência. Ou seja, se ela deve se restringir às chamadas atividades-meio ou pode atingir também as atividades-fim.

Por princípio, considero a terceirização um mal a ser extirpado das relações de trabalho. Mas, diante da realidade de ter que aceitá-la, como parece ser inexorável neste momento, é imperioso que fique absolutamente restrita ao serviços "secundários". Principalmente, quando se admite discutir sua prática também no serviço público, o que deveria, por várias razões, ser considerado inaceitável.

Ao longo de minha experiência profissional, tive a oportunidade de lidar tanto com a terceirização quanto com seu oposto - a contratação e gestão direta dos serviços e profissionais considerados "secundários". E foi essa experiência que me fez considerá-la negativa sob todos os aspectos.

Em algumas das empresas por que passei, fui responsável direto pelo pessoal e pelos serviços que, hoje, na grande maioria das organizações é terceirizado. E posso testemunhar que, quando administrados sob critérios racionais e de forma competente, não são, de maneira alguma, um obstáculo ao foco negocial. Pelo contrário, quando composta e gerida por quadro de pessoal próprio, a área responde às necessidades organizacionais com muito mais rapidez e qualidade, oferecendo, dessa forma, contribuição muito mais significativa ao atingimento dos objetivos propostos. Essa é a primeira razão pela qual sempre me contrapus à terceirização.

Depois, tive a infeliz oportunidade de trabalhar justo numa empresa "especializada" na prestação de serviços. E, aí, pude consolidar minha opinião, acrescentando outros pontos para sua fundamentação.

O primeiro deles, de ordem, digamos, ideológica, é que, se numa empresa qualquer, a apropriação dos frutos do trabalho pelo capital ocorre através do "produto", na terceirização, esse produto é a própria força de trabalho, ou seja, numa empresa "especializada" em terceirização de mão de obra, a "mercadoria" é o próprio trabalhador. O nome disso não seria escravidão?

Além disso, na prática, a grande maioria das empresas "especializadas" não tem qualquer poder de gestão sobre "seus" profissionais. A prática comum no dia a dia das operações dos serviços contratados é que os profissionais acabam por se reportar e submeter a uma relação hierárquica com os agentes da organização contratante. Fui testemunha de casos em que até a prerrogativa de poder disciplinar do empregador foi definida e assumida por esses agentes, cabendo à contratada - a tal empresa "especializada" - apenas executar o que lhe foi mandado fazer, aplicando "advertências" e "suspensões" segundo critérios e decisões dos prepostos da contratante. Essa prática corrobora o ponto anteriormente apontado - o de que, neste tipo de relação, o trabalhador é tratado como reles "mercadoria".

Outra prática extremamente danosa, e de fundamental importância quando se pensa em admitir a prática da terceirização nos serviços públicos, é que a "indicação" para contratação, movimentação, promoções etc é realizada pelos prepostos das organizações contratantes. Também posso testemunhar com minha própria experiência casos em que, para um dos postos de prestação de serviços a uma concessionária de serviços públicos, oito dos onze ocupantes - repito, oito em onze - eram membros da família de um dos prepostos da contratante.

Mais um ponto que reputo relevante considerar é que, quando contratado diretamente pela organização beneficiária dos serviços, pode o profissional sonhar com a progressão profissional como resultado de seu comprometimento e desempenho ou do avanço de sua escolarização. Quando responsável por esses profissionais, pude promover a ascensão de vários a deles a cargos e funções com melhores condições de trabalho e maior remuneração. Numa empresa "especializada", como resultado da constante troca de postos de trabalho e da rigidez decorrente da especificação dos serviços objeto dos contratos, isso se torna praticamente impossível. Num cenário como esse, o que resta ao trabalhador, como alternativa de crescimento, é "a porta da rua".

Por fim, o que também se pode verificar no cotidiano das organizações que praticam a terceirização é o estabelecimento de duas classes distintas de trabalhadores. Isso se dá, não apenas no aspecto remuneratório - com a adoção de salários e benefícios diferenciados - mas também no próprio dia a dia das relações interpessoais, em que os "terceirizados" são tratados, não apenas pelos prepostos, mas por boa parte dos demais profissionais do quadro próprio da contratante, como seres inferiores, aos quais compete exclusivamente cumprir as ordens daqueles recebidas. Esse caráter psicológico, na maioria das vezes simplesmente ignorado, e de consequências pessoais imensuráveis, é, também, gerador de graves consequências para a estrutura da sociedade, se a pretendemos mais igualitária e harmoniosa.

E é a essa "segunda classe" de trabalhadores que, segundo dados da PNAD 2011, se encontram alijados 31%, ou seja, quase um terço dos trabalhadores brasileiros. E onde se pretende fixá-los com as normas que o PL 4330/2004 pretende legitimar, tornando-a, assim, "cláusula pétrea" de uma estratificação social excludente e discriminadora.

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